REFLEXÕES ESTRATÉGICAS SOBRE ANTECIPAÇÃO DE MUDANÇAS DO MERCADO

Postado em 14/02/2014 | Autor: proatividade

Mais um ano começa e novos ventos sopram. Nessa época são comuns as reflexões de economistas e executivos sobre o que vem pela frente nos diversos mercados. É também um momento em que as empresas fazem o balanço dos feitos do passado e do presente. Em recente entrevista tratando de previsões para 2014, Eric Schmidt, Chairman do Google declarou que o seu maior erro foi “não ter antecipado o fenômeno das redes sociais”. Schmidt procurou justificar o erro alegando que “estávamos ocupados trabalhando em muitas outras coisas, mas devíamos ter entrado nessa área e eu assumo a responsabilidade por isso na empresa”. Atualmente Google se esforça para popularizar a sua rede social Google +, lançada em julho de 2011 e que hoje conta com cerca de 250 milhões de usuários, bem menos que o poderoso Facebook que já contabiliza mais de 1 bilhão de adeptos.

O depoimento de Schmidt é emblemático e nos faz refletir sobre a essência da proatividade de mercado: a antecipação de mudanças. É ingênuo pensar que as empresas são capazes de antecipar todas as mudanças do mercado, sabemos disso. De fato, mesmo para as mais atentas às tendências e que são ativadoras de mudanças – como é o caso de Google – muitas possibilidades de antecipação escapam à execução e deixam amargas indagações na agenda dos estrategistas”: “por que não fizemos isso?”; “se tivéssemos feito, nossos resultados estariam melhores?” É quando a empresa contabiliza o que costumamos chamar de débito estratégico com o futuro. Um futuro que ela própria não foi capaz de construir.

Eric Schmidt - Presidente do Google - Entrevista Bloomberg

De fato, a tarefa de construir o que chamamos de futuro–hoje não é fácil. Requer definição de prioridades (o tempo e os recursos são limitados), alinhamento com a estratégia do negócio (onde e como queremos chegar) e, o mais importante, determinação para fazer acontecer (isso é vital para nossa empresa?). No caso da Google a justificativa apontou para a existência de outras prioridades no leque de projetos estratégicos, o que é compreensível. Mas não necessariamente indica uma escolha certa, como veio a admitir o próprio Schmidt.

No vácuo da experiência vivida por Google – que denota uma reatividade de mercado (sim, na arena competitiva das redes sociais, Facebook foi a empresa proativa que pegou e melhor onda) -, queremos compartilhar com os leitores três reflexões estratégicas sobre antecipação de mudanças. Esperamos que sejam inspiradoras e ao mesmo tempo pragmáticas. Afinal, refletir sobre o futuro sem planos de ação é um exercício despretensioso que nada agrega à estratégia do negócio. Deixemos as especulações futuristas para os bons escritores e cineastas que tanto nos divertem.

Reflexão 1: A antecipação do futuro requer pensamento de longo prazo

Empresas reativas estão mais preocupadas em defender mercados no presente. Para elas visualizar o futuro não é um exercício tão estratégico que mereça dedicação de tempo e de esforços sistemáticos entre os executivos responsáveis por traçar os rumos do negócio. De acordo com Robert Kaplan, professor da escola de negócios de Harvard, em períodos de crise e de incerteza as empresas guiadas apenas pelos resultados financeiros tendem a perder a visão estratégica no longo prazo e acabam cometendo erros ao cortarem investimentos em inovação e outros necessários para garantir uma performance sustentável. O resultado financeiro continuará sendo importante (em qualquer tempo, diga-se), mas não pode estreitar a visão da empresa no longo prazo, conforme adverte o professor Kaplan: “Quando voce olha mais para a parte financeira e se descuida dos clientes, dos produtos ou dos processos de inovação, a companhia perde força como um todo. Uma corrente é tão forte quando o seu elo mais fraco”. i

Em nossas pesquisas no campo de proatividade empresarial, estudamos vários casos de empresas que usaram a visão de longo prazo para construir estratégias proativas de mercado. Em geral colheram os frutos do crescimento rentável. Por exemplo, citamos a Localiza, líder no Brasil e maior locadora de carros da América Latina, que durante duas décadas investiu na construção e consolidação de uma plataforma de vendas de carros desmobilizados de sua operação de aluguel. Em todos os momentos de crise e de instabilidades de mercado, a empresa nunca deixou de perseguir essa estratégica de negócios. Hoje, a plataforma Seminovos Localiza vende diretamente para o consumidor final uma parcela significativa dos carros desmobilizados, rentabilizando o ciclo financeiro de renovação da frota. Esse modelo de negócios da Localiza representou uma antecipação de mudança no mercado brasileiro de aluguel de carros.

Reflexão 2: Para antecipar mudanças é preciso ir além da cartilha clássica do planejamento estratégico

Em outras oportunidades já escrevemos sobre isso mas é oportuno reiterar: se a empresa ambiciona antecipar mudanças no mercado é preciso romper com o paradigma do planejamento estratégico tradicional. Não temos nada contra a costumeira análise SWOT – identificação de pontos fortes e fracos no âmbito interno e de oportunidades e ameaças externas que se manifestam no presente – mas entendemos que não é suficiente para a empresa antecipar mudanças e inovar, seja na oferta de produtos ou no modelo de negócio. Quando segue apenas essa cartilha o planejamento estratégico entra na trilha do ajuste, ou seja, leva a empresa a uma atitude reativa diante das mudanças do ambiente. Nossas pesquisas comprovam que cerca de 90% das empresas age assim. Nada de errado com essa postura, é bom que se diga. Mas para antecipar o futuro é preciso ir além da perspectiva de ajuste, ou seja, a empresa deve construir o que chamamos de planejamento estratégico proativo. ii

Vamos usar uma metáfora para explicitar a diferença seminal entre o planejamento estratégico tradicional e o planejamento estratégico proativo. Suponha que voce esteja na cidade de São Paulo e precisa chegar com seu carro a um endereço distante e desconhecido. Voce pode recorrer ao GPS e ele vai traçar uma rota que o levará ao destino. Mas voce pode lançar mão do seu celular e acionar o aplicativo Waze, um GPS inteligente baseado em informações de trânsito compartilhadas por usuários online e que calcula trajetos mais rápidos. Ao longo da trajetória o Waze se antecipa aos eventuais problemas (acidentes, engarrafamentos, etc.) e sugere rotas alternativas.

Agora, sim, podemos amarrar os conceitos. O planejamento estratégico clássico opera como um GPS, ou seja, sugere o caminho com base na varredura de sua posição no presente; se por algum motivo voce sair da rota traçada, ele recalcula e promove o ajuste. Por sua vez, o planejamento estratégico proativo opera como o Waze, isto é, ao processar informações sobre eventos que ocorrem “à frente”, ele altera o trajeto para voce chegar mais rápido ao destino. Em outras palavras: o GPS recalcula a rota por uma lógica de ajuste, e o Waze o faz por uma lógica de antecipação.

As diferentes lógicas do planejamento estratégico - Waze vs GPS comum

Saindo do contexto do trânsito urbano para o mundo real da gestão estratégica, as empresas devem ser capazes de captar sinais de mudanças para implementar estratégias proativas. Esses sinais podem ser fortes ou fracos e são emitidos dentro do mercado de atuação da empresa, mas também podem vir de outros mercados. Quando a Fiat brasileira criou uma nova categoria de carros off road light com o conceito Fiat Adventure ela percebeu sinais dentro do seu próprio mercado (pesquisas indicavam que 70% dos usuários de carros off road não utilizava o atributo de tração 4 X 4) e sinais vindos de outros mercados (crescimento do turismo rural como fuga do estresse urbano). O conceito Fiat Adventure representou uma proatividade de oferta (inovação de produto) que conquistou milhares de adeptos no mercado e que trouxe ganhos de imagem, market share e rentabilidade para a montadora.

Reflexão 3: O futuro são vários, sempre.

Não há um único futuro. Pense no negócio de sua empresa e procure imaginar como será a competição na próxima década. Imagine o comportamento dos clientes, os modelos de negócios mais promissores, as novas tecnologias disponíveis. Dificilmente você conseguirá combinar todas as fotos (ou cenários) em um mesmo álbum. Para construir imagens relevantes do futuro será oportuno trabalhar com dois, três ou mais álbuns que mesclarão diferentes perspectivas, nos seguintes campos de análise, por exemplo: economia, tecnologia e mercado.

Quando visualizamos o futuro a multiplicidade das análises é mais importante que a precisão. Ao construir cenários, o estratégico não é encontrar respostas precisas (esqueça essa possibilidade) ou medir o grau de acerto de projeções. O que importa são as boas perguntas ou questões instigantes, como costumamos dizer. Essas questões, se bem formuladas, devem possibilitar que os estrategistas tenham, no momento presente, experiências do futuro. Repare, não se trata de projetar o futuro, mas de vivenciá-lo hoje. Veja o que diz Paul Schoemaker, reconhecido acadêmico e consultor em planejamento de cenários: “O propósito do planejamento de cenários não é acertar precisamente o futuro, mas experimentá-lo.”  iii

A tríade economia-tecnologia-mercado deve inspirar os estrategistas na tarefa de visualizar o futuro. Em recente trabalho de consultoria sobre proatividade de mercado com empresários do setor imobiliário veio à tona uma incerteza: a empresa deveria ou não aumentar investimentos (aquisição de novos terrenos) para ampliação da carteira de projetos (loteamentos urbanos), no marco 2014 -2020? Duas questões instigantes, dentre outras, podem ser colocadas para lidar com essa incerteza, em dois campos da tríade mencionada: a) economia: como vai se comportar a economia até 2020 e que fatores influenciarão a demanda por ativos imobiliários? B) mercado: quais serão as necessidades e preferências de nossos clientes-alvo nos seus investimentos em moradia?

Cenários devem ser construídos para a empresa vivenciar distintos futuros.  Mais importante do que responder as duas questões será “montar um lego” e vislumbrar as imagens que se formarão na combinação de fatores diversos (as peças do lego). A multiplicidade de imagens traz novas perspectivas de análise para apoiar a tomada de decisões e a escolha das iniciativas estratégicas para os próximo anos. Na prática, esse “lego estratégico” permite trazer o futuro para o presente. As empresas mais proativas conhecem bem as regras e estratagemas desse jogo.

 


i Entrevista concedida ao jornal Valor Econômico. Matéria assinada pelo jornalista Rafael Sigollo, sob o título “Gestão defensiva compromete visão de longo prazo”, Caderno D, Eu & Carreira, edição de 07/08/13, pág. D3.

ii Vide conteúdo desse website: http://proatividademercado.com.br/site/estrategia-e-proatividade-de-mercado/planejamento-estrategico-proativo

iii Do livro “Profiting from Uncertainty: Strategies for Succeeding No Matter What the Future Brings”, New York, The Free Press, 2002

 

 



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